Eu saio todo dia de manhã para o trabalho antes do sol nascer. Eu trabalho em
um provedor de Internet de São Paulo e preciso estar lá sempre bem cedo. Como eu
acordo antes das 5:00 geralmente, sempre estou sozinho pela casa enquanto me
arrumo e tomo o café da manhã. A única companhia que eu tenho, é o cachorrinho
da família, um Cocker Spaniel.
Nós moramos em uma casa em um condomínio fechado. Sempre que o meu pai chega ele
põe o carro na garagem, que não tem porta por ser dentro de um condomínio
fechado, e que é bem pequena, cabe só um carro e passa só uma pessoa por vez com
o carro lá. Mas para o cachorro não fugir tem um portãozinho entre o quintal de
trás e a garagem onde os dois se encontram. A saída da cozinha é pela lateral da
casa e a gente tem que passar por esse portãozinho para entrar ou sair.
Todos os dias eu pego o jornal que geralmente está ao lado do carro, que é onde
o porteiro joga ele, e jogo do lado de dentro do portãozinho perto da porta da
cozinha, para a minha mãe não ter que sair até lá fora para pegar o jornal. O
cachorro sempre fica lá me vendo ir embora, mas nunca faz barulho nenhum, nem
quando eu jogo o jornal, o máximo que ele faz é deitar em cima e dar uma roída
de leve e depois entra em casa e vai dormir no sofá.
Nesse dia aconteceu como sempre, estava tudo de acordo com a minha rotina, até o
momento que eu sai de casa. No que eu coloquei o pé para fora de casa, eu senti
um arrepio estranho. Lá fora estava tudo escuro, apenas uma luz fraca do poste
que ficava perto de casa, que não chegava a iluminar muita coisa. Aquele
silêncio todo estava me incomodando. Eu passei pelo portãozinho e o meu coração
começou a acelerar. Eu olhei para o jornal e fui pegá-lo como sempre. A cada
passo que eu dava para chegar perto do jornal, eu sentia os músculos da minha
perna ficarem cada vez mais fracos. Eu não tinha idéia do que estava acontecendo
comigo. Eu cheguei até o jornal e me abaixei para pegá-lo quando eu ouvi o
ultimo som que eu gostaria de ouvir, o meu cachorro rosnando. Ele só rosna
quando se sente ameaçado e com medo. Eu estava abaixado do lado do carro do meu
pai ainda e dei uma olhada em volta. Não vi nada, mas o cachorro continuava
rosnando. Eu resolvi que já estava na hora de ir embora de uma vez, então eu
joguei o jornal por cima do portão e me apoiei no carro para me levantar. No que
eu estou levantando eu olho para dentro do carro, e eu juro que quase morri de
uma parada cardíaca ali mesmo. Do outro lado do vidro eu vi uma garotinha de uns
8 anos de idade, sentada no banco do passageiro na frente do carro, com um
vestido bem antigo e com um tom de pele bem azulado. Ela estava com uma cara
muito séria, parecia que estava brava com algo.
No que os olhos dela encontraram os meus eu senti um pânico que eu nunca tinha
sentido. O pavor tomou conta de mim, eu queria gritar mas não consegui soltar um
barulho se quer. A única coisa que eu consegui fazer foi pular para trás e cair
no meio de um monte de planta e vazo que tem onde a parede da garagem acaba. O
cachorro não parava de latir e eu só conseguia pensar "ela me viu, ela me viu,
ela me viu." Eu levantei do meio das plantas correndo.
Depois de algum tempo, o cachorro parou de latir. Eu resolvi voltar e ver o que
tinha acontecido e vi ele deitado em cima do jornal, roendo a ponta dele. O
carro estava vazio e não tinha sinal da menininha em lugar nenhum, e toda aquela
sensação de medo tinha sumido.
Depois de dar uma olhada rápida de longe na garagem eu resolvi ir trabalhar. Eu
nunca mais vi a menininha.
Eu nunca contei essa história para ninguém, até agora. Eu nunca senti tanto medo
na minha vida feito naquele momento, mas pelos menos eu perdi todo o sono que eu
tava.
César - São Paulo - S.P.